
O deputado estadual João Henrique Catan (PL) realizou um pronunciamento contundente na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul nesta quarta-feira (9), denunciando o que classificou como “crime de falsidade ideológica” na prestação de informações sobre renúncias fiscais do Estado.
Durante seu tempo nas Explicações Pessoais após a Ordem do Dia, Catan apresentou uma série de dados e argumentos técnicos para fundamentar sua denúncia, apontando possíveis inconsistências graves nas informações fornecidas pelo Fisco estadual à Justiça e aos órgãos fiscalizadores.
O impacto das renúncias fiscais no orçamento estadual
De acordo com o parlamentar, o governo estadual concede aproximadamente R$ 7 bilhões por ano em renúncias fiscais, o que representa cerca de 30% da arrecadação total de ICMS e 20% do orçamento estadual. Para se ter uma dimensão do impacto desses valores, Catan comparou com outros fundos estaduais que recebem valores significativamente menores:
- Fundo Estadual de Assistência: R$ 40 milhões
- Fundo da Infância e Adolescência: R$ 7 milhões
- Outros fundos sociais: R$ 2 milhões
Segundo o deputado, isso significa que os fundos de assistência social recebem menos de 1% do orçamento, enquanto as renúncias fiscais superam os 20% do orçamento total do Estado.
Um ponto crítico apontado pelo parlamentar é que esses benefícios fiscais estariam sendo concedidos sem passar pelo crivo da Assembleia Legislativa, sem os devidos estudos de impacto orçamentário e sem as medidas compensatórias de receita exigidas por lei.
A batalha judicial por transparência
Catan explicou que tem travado uma batalha judicial para ter acesso aos dados detalhados sobre as empresas beneficiadas por esses incentivos fiscais. O parlamentar conseguiu uma decisão favorável em primeira instância, que determinou ao Estado a apresentação dos valores detalhados dos benefícios concedidos às empresas nos últimos cinco anos, totalizando mais de R$ 20 bilhões.
No entanto, essa decisão foi suspensa pelo desembargador Sérgio Martins, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Segundo o deputado, a suspensão teria sido baseada em informações incorretas fornecidas pelo Fisco estadual e pelos procuradores do Estado.
“O desembargador suspendeu a ordem do juiz de primeiro grau com base numa certidão falsa”, afirmou Catan, sugerindo que o magistrado teria agido de boa-fé, presumindo a autenticidade do documento público apresentado.
Inconsistências nas informações oficiais
Um dos aspectos mais graves da denúncia envolve as supostas inconsistências nos números apresentados pelo Fisco sobre as empresas beneficiadas por incentivos fiscais. Catan apresentou em seu pronunciamento uma série de divergências encontradas em documentos oficiais:
- Para 2018: inicialmente o Fisco informou que 6.279 empresas foram beneficiadas, mas posteriormente o número subiu para 7.748 no portal da transparência (diferença de 1.469 empresas)
- Para 2019: o número informado passou de 6.276 para 7.710 empresas (diferença de 1.434 empresas)
- Para 2020: de 6.800 para aproximadamente 10.000 empresas (diferença de cerca de 3.200 empresas)
- Para 2022: de 7.000 para 12.000 empresas (diferença de 5.000 empresas)
- Para 2023: o número caiu de 14.000 para 9.100 empresas (diferença negativa de 4.900 empresas)
Segundo o parlamentar, essas divergências somam mais de 5.700 empresas, o que sugere inconsistências significativas nos dados apresentados oficialmente, especialmente considerando que essas alterações teriam ocorrido em menos de 30 dias e durante fase recursal do processo judicial.
Consumidores finais classificados como beneficiários fiscais
Um dos pontos mais técnicos e ao mesmo tempo mais graves apontados pelo deputado foi a inclusão de consumidores finais na lista de beneficiários de incentivos fiscais. Para explicar esse ponto ao público leigo, Catan usou exemplos práticos:
Quando uma empresa compra produtos em um supermercado para consumo próprio (como material de escritório, alimentos para a copa, produtos de limpeza etc.), ela age como consumidor final. De acordo com os princípios do Direito Tributário, essa empresa não faz parte da chamada “relação jurídica tributária”, pois não está revendendo ou circulando esses produtos — está apenas consumindo-os.
O deputado afirmou que o Fisco estadual incluiu milhares dessas empresas (consumidores finais) na lista de beneficiários de incentivos fiscais, o que seria tecnicamente incorreto e juridicamente inválido.
“O Fisco incluiu empresas que foram ao supermercado comprar para seu estoque, não para revender, como beneficiárias de política fiscal”, explicou o parlamentar, ressaltando que, se houvesse algum benefício fiscal nessa transação, o beneficiário seria o estabelecimento vendedor (o supermercado), e não o comprador.
Catan citou ainda que esse entendimento está respaldado pela Lei Kandir, pelo Código Tributário Nacional e por jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (tema 342 de repercussão geral), que determinam a “inexistência de qualquer vínculo com o Fisco” para consumidores finais.
A questão dos números
Outro aspecto apontado pelo parlamentar foi a inconsistência quantitativa na classificação das empresas. Segundo ele, o Estado possui cerca de 293 mil empresas ativas que poderiam ser consideradas consumidores finais de mercadorias com ou sem incentivo fiscal. No entanto, o Fisco teria incluído apenas cerca de 6 mil a 14 mil empresas (dependendo do ano) em sua lista de beneficiários.
“Por qual motivo, se temos 293 mil [empresas ativas], o Fisco informou ao Poder Judiciário apenas cerca de 6 mil? Não tem consistência nenhuma essa informação”, questionou o deputado, sugerindo que os critérios para inclusão ou exclusão de empresas na lista seriam arbitrários ou incorretos.
Possível crime de inserção de dados falsos
Ao final de seu pronunciamento, o deputado João Henrique Catan citou o artigo 313-A do Código Penal, que prevê pena de reclusão de dois a doze anos para funcionários públicos que inserirem dados falsos, alterarem ou excluírem indevidamente dados em sistemas informatizados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida ou causar dano.
Segundo o parlamentar, a petição que conteria as informações incorretas teria sido formulada por três procuradores do Estado, e as alterações nos dados disponibilizados no portal da transparência configurariam inserção de dados falsos em sistemas informatizados da administração pública.
O papel fiscalizador do Legislativo
Catan enfatizou que sua denúncia não visa atacar o governo estadual, mas sim garantir transparência e legalidade na concessão de benefícios fiscais, que representam parcela significativa do orçamento público.
O parlamentar destacou que, segundo decisões do Supremo Tribunal Federal, benefícios fiscais concedidos sem informação à Assembleia Legislativa, sem estudo de impacto orçamentário e sem medidas compensatórias de receita são “completamente nulos e ilegais”.
Ele mencionou ainda que o Tribunal de Contas do Estado teria informado nunca ter tido a oportunidade de auditar esses benefícios fiscais que, nos últimos cinco anos, somariam mais de R$ 20 bilhões.
Ao concluir seu pronunciamento, o deputado pediu a apuração imediata das irregularidades denunciadas, argumentando que as inconsistências nas informações impedem o trabalho de fiscalização que deveria ser realizado pela Assembleia Legislativa, pelo Tribunal de Contas do Estado e pelo próprio cidadão sul-mato-grossense.