Especialistas questionam constitucionalidade das novas restrições e veem violação de princípios fundamentais do direito italiano

O recente Decreto 36/25, publicado pelo governo italiano para limitar o reconhecimento da cidadania por descendência, está sendo alvo de intensos questionamentos jurídicos que podem colocar em xeque sua validade. Especialistas em direito internacional apontam graves inconsistências constitucionais que comprometem a legalidade da nova norma.
Fábio Gioppo, advogado especializado em cidadania europeia e CEO da Gioppo & Conti, não hesita em classificar o decreto como “precipitado e inconstitucional”. “Estamos acompanhando de perto, junto aos nossos juristas na Itália, a questão do novo decreto e identificamos pontos que indicam a inconstitucionalidade dessa medida”, afirma o especialista.
Três principais falhas jurídicas são destacadas pelos especialistas. A primeira refere-se à ausência do caráter de urgência necessário para edição de decretos-lei na Itália. Conforme o artigo 77 da Constituição italiana, decretos só podem ser utilizados em situações excepcionais, e a questão da cidadania claramente não configura emergência nacional.
Outro ponto crítico está na irregular validade retroativa da lei, que pretende produzir efeitos desde as primeiras horas do dia 28/03, mesmo tendo sido publicada oficialmente apenas às 23h00 daquele dia. Esta retroatividade contraria o princípio da vacatio legis e o próprio artigo 73 da Constituição italiana, que prevê um intervalo mínimo de 15 dias entre publicação e vigência.
Por fim, e talvez o aspecto mais controverso, a limitação da transmissão da cidadania a apenas duas gerações contradiz entendimentos consolidados da Suprema Corte italiana, que já firmou jurisprudência reconhecendo a cidadania jure sanguinis como direito adquirido por nascimento, independentemente de critérios geracionais.
“Esses temas já foram analisados pela Suprema Corte no passado, e o atual decreto pode ser contestado novamente”, ressalta Gioppo, tranquilizando descendentes que já iniciaram processos e acrescentando que “a via judicial é a mais segura e a única forma da conquista da cidadania” no atual cenário.
A polêmica norma, divulgada em 28 de março de 2025, limita drasticamente o reconhecimento da cidadania italiana, restringindo-o apenas a filhos e netos de italianos. Antes, não havia limite geracional, permitindo que bisnetos e trinetos também pudessem obter o documento mediante comprovação de parentesco.
Além disso, o decreto introduz a exigência de um “vínculo real” com a Itália para manutenção da cidadania ao longo do tempo e transfere a competência pelo reconhecimento dos consulados para o Ministério das Relações Exteriores italiano, com período de transição estimado em um ano.
Apesar de já estar em vigor, o decreto ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento Italiano em 60 dias para tornar-se definitivo. Processos iniciados antes da implementação das novas regras não seriam afetados, segundo a própria norma.
“Existem caminhos legais e estratégias jurídicas que seguem válidos, inclusive na via judicial, para garantir os direitos dos descendentes de italianos. O importante é agir com agilidade e orientação profissional”, conclui o advogado Fábio Gioppo, cuja equipe já prepara estratégias para enfrentar as novas restrições.