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Santa Rita do Pardo: contingenciamento relâmpago leva município da crise anunciada à inexplicável normalidade em apenas 29 dias

Medida que restringia gastos públicos e congelava contratações devido à “abrupta queda de receita” foi cancelada sem explicações técnicas

Prefeitura de Santa Rita do Pardo - Foto: Divulgação
Prefeitura de Santa Rita do Pardo – Foto: Divulgação

O prefeito de Santa Rita do Pardo, Lúcio Roberto Calixto Costa, revogou integralmente o decreto de contenção de gastos que havia estabelecido apenas 29 dias antes. A decisão, publicada no Diário Oficial do município na última segunda-feira (22), surpreendeu observadores da administração pública local, especialmente considerando as justificativas alarmantes que fundamentaram a medida inicial.

O Decreto nº 060/2025, publicado em 24 de março de 2025, havia estabelecido um rigoroso contingenciamento orçamentário para o exercício financeiro atual. Entre as medidas, destacavam-se o corte de 10% nas dotações orçamentárias para material de consumo e prestação de serviços, além de diversas restrições administrativas:

  • Proibição de concessão de vantagens, aumentos ou reajustes salariais
  • Vedação à criação de cargos públicos que implicassem aumento de despesa
  • Proibição de contratação de horas extras
  • Suspensão de nomeações de servidores efetivos, comissionados e temporários
  • Impedimento de contratação de serviços terceirizados de mão de obra
  • Proibição de aquisição de equipamentos e execução de reformas com recursos próprios
  • Restrição à circulação de veículos e maquinários nos finais de semana e feriados

Na justificativa do decreto de março, o prefeito mencionava uma “abrupta queda de receita pública”, especialmente do ICMS, que segundo o documento havia registrado redução de quase 7%. O texto também apontava que “a queda das principais receitas próprias alcançou a elevada cifra que supera a soma de um milhão de reais” em comparação com 2024.

No entanto, em 22 de abril, sem qualquer explicação sobre os motivos ou mudança no cenário financeiro, o prefeito publicou o Decreto nº 080/2025, que determinou em seu Artigo 1º: “Fica REVOGADO integralmente o DECRETO Nº 060/2025, DE 24 DE MARÇO DE 2025”.

O que mudou em um mês?

A rápida revogação das medidas de contenção de gastos levanta questionamentos sobre a real situação financeira do município. O texto do novo decreto não traz qualquer justificativa para a mudança de posicionamento, nem explica se houve recuperação das receitas que motivaram as restrições orçamentárias.

Não precisa ser um especialista em finanças públicas para compreender que mudanças bruscas em decretos de contingenciamento podem gerar insegurança jurídica na administração. Quando se publica um decreto apontando grave crise financeira e, poucas semanas depois, o revoga sem explicar os motivos, cria-se uma situação de incerteza tanto para servidores quanto para fornecedores e a população.

A análise dos documentos publicados sugere algumas possibilidades para a reviravolta administrativa:

  1. Uma melhora inesperada na arrecadação municipal
  2. Um erro de avaliação no diagnóstico financeiro inicial
  3. Pressões setoriais da administração pela retomada de contratações e investimentos
  4. Dificuldades operacionais na implementação das medidas restritivas
  5. Incompetência e despreparo técnico por parte da gestão municipal

No decreto original, o prefeito Lúcio Roberto Costa havia destacado a necessidade das medidas para garantir o “equilíbrio financeiro” e respeitar as “normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”, citando inclusive as vedações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Contradições nas justificativas oficiais

Segundo publicação do site Cenário MS, a Prefeitura de Santa Rita do Pardo justificou a revogação do decreto com base nos “princípios da conveniência e da oportunidade administrativa”. Em nota ao portal citado, o executivo municipal alegou que a medida permitiria à administração “responder de forma mais ágil e eficiente às demandas do município”, garantindo a continuidade de serviços essenciais e a execução de projetos em andamento, supostamente “sem prejuízo ao equilíbrio fiscal”. O comunicado ainda reforçou o “compromisso com a transparência e a responsabilidade na gestão dos recursos públicos”.

No entanto, estas justificativas apresentam contradições evidentes quando confrontadas com o teor do decreto original. Primeiramente, se os serviços essenciais e projetos em andamento estavam em risco após apenas 29 dias de contingenciamento, isto questiona a qualidade do planejamento financeiro que motivou o decreto inicial. Ademais, a alegação de manter o “equilíbrio fiscal” contrasta diretamente com o diagnóstico de “abrupta queda de receita” que justificou as restrições orçamentárias em março. Não há explicação sobre como a situação fiscal teria se revertido em menos de um mês, nem dados que comprovem essa recuperação. Os “princípios de conveniência e oportunidade” citados pela administração são conceitos administrativos amplos que, neste caso específico, carecem de fundamentação técnica que explique a mudança radical de posicionamento em tão curto período, comprometendo justamente o “compromisso com a transparência” mencionado pela própria prefeitura.

Transparência necessária

A falta de transparência na revogação contrasta com a detalhada explicação financeira apresentada para justificar o decreto original. A situação gera dúvidas sobre o real panorama financeiro do município e os critérios que orientam as decisões administrativas.

Nossa reportagem entrou em contato com a prefeitura de Santa Rita do Pardo solicitando esclarecimentos sobre os motivos da revogação e se houve mudança significativa na situação fiscal do município no período, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta.

É importante ressaltar que o Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público costumam recomendar que alterações significativas em decretos de contingenciamento sejam acompanhadas de documentação comprobatória que justifique a mudança, especialmente quando ocorrem em intervalos curtos de tempo.

Impactos da medida

Com a revogação integral do decreto, ficam restabelecidas todas as possibilidades administrativas que haviam sido suspensas, como a realização de contratações, concessão de horas extras, aquisição de equipamentos e a circulação de veículos oficiais nos finais de semana.

A medida provavelmente será recebida com alívio por servidores municipais e fornecedores da prefeitura que estavam sob a restrição orçamentária, mas também levanta questionamentos sobre o planejamento financeiro do executivo municipal.

A administração pública deve seguir o princípio da previsibilidade. Decretos de contingenciamento não são meras formalidades, mas instrumentos técnicos baseados em projeções financeiras concretas. Sua revogação repentina, sem justificativa clara, levanta questões sobre a qualidade das informações que fundamentam decisões importantes na gestão municipal.

A situação em Santa Rita do Pardo demonstra os desafios enfrentados por municípios brasileiros na gestão fiscal, especialmente em cenários de incerteza econômica. No entanto, ressalta-se a importância da transparência nas decisões que afetam diretamente os serviços públicos e o funcionalismo municipal.