Pesquisar

Por que Lula barra classificação de facções como terroristas, contrariando EUA

Governo brasileiro rejeita pedido da administração Trump para enquadrar PCC e CV como organizações terroristas, mesmo com evidências de atuação em 12 estados americanos

Foto: ALAOR FILHO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Foto: ALAOR FILHO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

O governo Lula recusou formalmente a proposta americana de classificar o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas, frustrando uma estratégia da administração Trump para intensificar o combate às facções brasileiras que já expandiram sua atuação para território norte-americano.

A negativa foi apresentada durante reunião realizada na tarde de terça-feira (6), em Brasília, quando autoridades brasileiras receberam uma comitiva liderada por David Gamble, chefe interino da coordenação de sanções do Departamento de Estado americano. Representantes dos ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e Segurança Pública, além da Polícia Federal participaram do encontro pelo lado brasileiro.

Segundo fontes presentes na reunião, os enviados da Casa Branca argumentaram que a legislação americana possibilitaria sanções mais rigorosas contra as duas maiores organizações criminosas do Brasil caso recebessem o status de grupos terroristas. O sistema penal norte-americano prevê punições significativamente mais severas para crimes relacionados ao terrorismo do que para atividades ligadas ao crime organizado convencional.

A equipe americana apresentou dados preocupantes sobre a infiltração das facções brasileiras em solo americano. De acordo com avaliações do FBI, o PCC e o CV já estabeleceram operações em pelo menos 12 estados dos EUA, incluindo regiões estratégicas como Nova York, Flórida, Nova Jersey, Massachusetts, Connecticut e Tennessee. Os representantes americanos alertaram que as organizações criminosas brasileiras têm utilizado o território americano para operações de lavagem de dinheiro, principalmente por meio de brasileiros que viajam ao país.

Um dado concreto apresentado pela comitiva de Trump revela a dimensão do problema: 113 brasileiros tiveram vistos negados pela Embaixada dos Estados Unidos após serem identificados como ligados às quadrilhas brasileiras, demonstrando que as autoridades americanas já monitoram ativamente esse movimento.

Apesar das evidências apresentadas, o governo Lula manteve posição contrária à reclassificação. O argumento principal utilizado pelos representantes brasileiros foi que o sistema legal do país não enquadra facções criminosas como terroristas, uma vez que a atuação desses grupos não estaria vinculada a causas ou ideologias, mas sim à busca por lucro em atividades ilícitas.

A recusa brasileira ocorre em um momento em que o presidente Trump, de volta à Casa Branca, tem intensificado medidas de segurança na fronteira americana. Logo no primeiro mês de seu novo mandato, o republicano declarou emergência na fronteira e designou cartéis de drogas mexicanos como organizações terroristas – estratégia que agora tenta estender às principais facções brasileiras.

Como contraponto à negativa, autoridades brasileiras tentaram destacar que o país tem implementado políticas públicas para combater organizações como o PCC e o CV. Mencionaram o plano de fortalecer a integração com os demais países da América Latina e citaram o papel dos presídios federais no isolamento de lideranças das facções, além de operações conjuntas entre polícias e Ministérios Públicos, como as realizadas pelos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

A reunião, realizada a pedido da delegação americana, contou com a presença de diversos representantes dos EUA, além de Gamble: John Jacobs, da Embaixada dos Estados Unidos, o adido judicial Michael Dreher, os assessores sênior Ricardo Pita e John Johnson, a conselheira política Holly Kirking Loomis e o adido policial Shawn Sherlock.

Um dia antes do encontro oficial, na segunda-feira (5), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) recebeu em seu gabinete no Senado o assessor Ricardo Pita, também para tratar de questões relacionadas ao crime organizado. O parlamentar afirmou ter solicitado o encontro com a Embaixada americana para discutir temas de segurança pública, demonstrando um alinhamento da oposição brasileira com as preocupações da administração Trump.

Esta divergência entre os governos brasileiro e americano sobre como classificar e combater as facções criminosas poderá ter desdobramentos nas relações bilaterais, especialmente em um cenário onde organizações brasileiras ampliam sua atuação internacional.