Com 600 agentes qualificados, PF recebe R$ 20 milhões para nova atribuição

A partir desta terça-feira (1º), a Polícia Federal (PF) passa a ser responsável pela fiscalização de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (CACs), função que até então era desempenhada pelo Exército Brasileiro. A transição, que reflete uma mudança significativa na política de controle de armas no Brasil, ocorre em meio a críticas à gestão armamentista do governo Lula, que, na visão de muitos, tem falhado em garantir segurança e transparência no rastreamento de arsenais. O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) destinou R$ 20 milhões em maio para que a PF possa executar essa nova tarefa, contando atualmente com 600 agentes qualificados para a missão.
A plataforma da PF, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), que já gerenciava 3 milhões de armas, absorve agora do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) a fiscalização de mais de 900 mil CACs e 1,3 milhão de armas adicionais. Para lidar com essa demanda, a PF planeja criar Delegacias de Controle de Armas nas capitais de todos os estados e no Distrito Federal, além de 96 Núcleos de Controle de Armas em delegacias federais no interior do país, totalizando 123 estruturas, conforme informou o secretário-executivo do MJSP, Manoel Carlos de Almeida Neto. O delegado federal Cairo Duarte foi nomeado coordenador-geral de Controle de Serviços e Produtos da Coordenadoria de Polícia Administrativa da PF.
Novas atribuições da PF e desafios na transição
Entre as responsabilidades que passam à PF estão o registro de pessoas físicas e jurídicas para atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça excepcional; a autorização para compra e transferência de armas; a fiscalização das atividades dos CACs; a concessão de guias de tráfego; e o controle do comércio varejista para pessoas físicas. Essa mudança, porém, não ocorreu sem entraves. O prazo inicial para a transferência de competência era 1º de janeiro deste ano, mas a PF solicitou mais tempo ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, alegando falta de orçamento, efetivo e infraestrutura. Sem esses recursos, havia o risco de um apagão na fiscalização.
Durante o período de transição, a fiscalização de CACs ficou em um limbo preocupante. O Exército já havia deixado de exercer a função, enquanto a PF ainda não estava plenamente preparada para assumi-la. Como resultado, o serviço ficou paralisado, expondo falhas na coordenação do governo Lula, que parece ter subestimado a complexidade da tarefa.
6 mil armas desaparecidas: um problema ignorado
Um dos pontos mais alarmantes desse processo é o desaparecimento de 6.168 armas de fogo de uso restrito, como fuzis, que não foram reapresentadas no sistema oficial por seus proprietários. Há suspeitas de que esse arsenal possa estar nas mãos de criminosos organizados, traficantes e milicianos, representando um grave risco à segurança pública. Esse dado foi revelado durante o recadastramento de armas adquiridas por civis, uma medida do governo Lula no primeiro semestre de 2023, sob a gestão de Flávio Dino no Ministério da Justiça, como parte de um pacote para reverter a política armamentista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). CACs que compraram armas a partir de maio de 2019 foram obrigados a atualizar dados pessoais e de acervo, mas o governo parece ter ignorado a gravidade do sumiço dessas armas, falhando em agir de forma contundente.
Fragilidades históricas e crescimento descontrolado de armas
A capacidade do Exército de fiscalizar armas e munições já vinha sendo questionada há anos. Em 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou um relatório de auditoria que identificou “sérias fragilidades” em todas as áreas do controle militar, incluindo autorização, fiscalização e regulação. “As deficiências encontradas, porém, em sua maioria, não se iniciaram em 2019 – isto é, já estavam presentes antes disso –, mas tomaram proporções maiores em razão da ampliação de administrados proporcionada pelas flexibilizações normativas ocorridas a partir daquele ano”, aponta o documento, sugerindo que os problemas se agravaram com o aumento no número de armas em circulação.
Especialistas também alertam para o crescimento descontrolado de armamentos no Brasil. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) estima que, entre 2017 e 2022, o número de pessoas com certificados de registro de armas de CACs, sob responsabilidade do Exército, cresceu 1.140%, atingindo 783,3 mil. Já o Instituto Igarapé revela que o número de armas em acervos de CACs aumentou mais de 300% em cinco anos, passando de 350,7 mil em dezembro de 2018 para 1,5 milhão em julho de 2024. Esses números reforçam a necessidade de uma fiscalização rigorosa, algo que o governo atual parece estar longe de garantir.
Perspectivas e preocupações para o futuro
Com a PF assumindo o controle, espera-se que haja maior rigor e transparência na fiscalização de CACs, mas as incertezas persistem. A falta de ação efetiva sobre as armas desaparecidas e os desafios logísticos enfrentados pela PF levantam dúvidas sobre a capacidade do governo Lula de lidar com a questão armamentista de forma eficiente. Enquanto isso, a segurança pública permanece em risco, e a sociedade aguarda medidas concretas para evitar que arsenais caiam em mãos erradas. O desdobramento dessa transição será crucial para avaliar se a mudança trará resultados positivos ou se aprofundará as falhas já existentes.