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Os segredos milenares por trás da eleição papal: como funciona o conclave que escolhe o líder de 1,3 bilhão de católicos

Ritual que remonta a séculos permanece quase inalterado e combina tradição, simbolismo e fé na escolha do sucessor de Pedro

Foto: EFE/EPA/VALDRIN XHEMAJ
Foto: EFE/EPA/VALDRIN XHEMAJ

Poucos rituais no mundo preservam tanto de sua essência original quanto o conclave papal. Esse rigoroso cerimonial que elege o líder espiritual de mais de 1,3 bilhão de católicos mantém-se praticamente inalterado há séculos, resistindo às transformações da modernidade com a mesma solidez das paredes da Capela Sistina que o abriga.

Embora algumas adaptações tenham ocorrido – os cardeais já não ficam literalmente trancados sem comida até chegarem a uma decisão, como acontecia no passado – a estrutura fundamental permanece: 133 cardeais eleitores isolados do mundo, servindo “guiados pelo Espírito Santo” para escolher o novo sucessor de Pedro.

O processo começa na véspera do conclave, quando todos os cardeais com direito a voto se reúnem na Casa Santa Marta, residência dentro do Vaticano onde o Papa Francisco viveu durante seu pontificado. Ali compartilham uma ceia que marca o início de seu isolamento total do mundo exterior.

Na manhã seguinte, o cardeal Giovanni Battista Re, atual decano do colégio cardinalício, celebra a missa pro eligendo papa (pela eleição do papa) na Basílica de São Pedro, cerimônia aberta aos fiéis. À tarde, os purpurados iniciam uma solene procissão rumo à Capela Sistina, entoando o Veni Creator, um hino que invoca a assistência do Espírito Santo para guiá-los na decisão.

Um momento particularmente dramático ocorre quando, após os juramentos dentro da Capela Sistina, o mestre das celebrações litúrgicas, Diego Ravelli, proclama em latim o célebre “extra omnes” (todos para fora). Nesse instante, as pesadas portas são fechadas e apenas os cardeais eleitores permanecem no recinto sagrado para a primeira votação.

Durante todo o conclave, os dias seguem um ritmo meticulosamente planejado. Os cardeais celebram missa diariamente e dirigem-se à Capela Sistina às 9h (4h em Brasília) para rezar as Laudes e realizar as duas primeiras votações da jornada. À tarde, às 16h (11h em Brasília), ocorrem mais duas votações, seguidas das orações das Vésperas.

A matemática do processo é clara: com 133 cardeais eleitores, são necessários 88 votos (dois terços mais um) para que um novo papa seja eleito. O que acontece dentro da capela permanece em sigilo absoluto, mas o mundo exterior recebe sinais através de um dos símbolos mais conhecidos deste rito: a fumata.

A cada duas sessões de votação, as cédulas onde os cardeais escreveram seus escolhidos são queimadas em um forno instalado dentro da Capela Sistina. A fumaça que sai pela característica chaminé pode surgir por volta das 12h (7h em Brasília) e das 19h (14h em Brasília). Se a fumaça aparecer antes desses horários previstos, significa que um novo pontífice foi escolhido.

A cor da fumaça é o grande indicador para o mundo: preta significa que não houve consenso; branca anuncia que um novo papa foi eleito. Neste último caso, os seis sinos da Basílica de São Pedro começam a tocar em uma jubilosa celebração.

O momento que se segue à eleição tem um nome carregado de simbolismo: o escolhido é conduzido à “Sala das Lágrimas”, um pequeno aposento na sacristia da Capela Sistina onde vestes papais de diversos tamanhos estão preparadas. O nome deriva da emoção que frequentemente toma conta do eleito, que finalmente pode externar os sentimentos contidos durante o processo.

O procedimento de votação segue passos meticulosos:

  • Inicialmente, o último cardeal diácono designa três escrutinadores, três auditores e três assistentes para o processo.
  • Cada cardeal recebe duas ou três cédulas em branco e preenche secretamente, escrevendo “claramente, em uma caligrafia tão reconhecível quanto possível, o nome da pessoa que está elegendo”.
  • O cardeal dobra a cédula ao meio e, segurando-a de forma visível, aproxima-se do altar, onde proferirá um juramento: “Invoco Cristo, o Senhor, que me julgará, como minha testemunha de que meu voto é dado àquele que, de acordo com Deus, acredito que deva ser eleito”.
  • A cédula é então depositada em um cálice que serve como urna, seguida por uma reverência ao altar antes de retornar ao assento.
  • Após todos votarem, os escrutinadores misturam as cédulas, conferem a quantidade e iniciam a contagem.
  • Sentados à mesa em frente ao altar, o primeiro escrutinador abre cada cédula e lê o nome, o segundo repete o procedimento, e o terceiro anota o nome e o pronuncia em voz alta, perfurando as cédulas com uma agulha e unindo-as por um fio.
  • O camerlengo reúne os registros e compila o resultado final, enquanto todos os papéis utilizados são queimados no fogão especial, com aditivos químicos que determinarão a cor da fumaça observada pelo mundo.

Este ritual, que mistura fé, tradição e meticulosa execução, representa um dos poucos momentos em que o mundo moderno parece pausar para contemplar uma tradição que atravessa séculos e conecta passado e presente na escolha de uma das figuras mais influentes do planeta.