Ex-ministro do STF considera incompreensíveis as decisões do magistrado e defende análise profissional para entender suas motivações

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello teceu severas críticas ao comportamento de seu ex-colega Alexandre de Moraes, sugerindo que o magistrado deveria submeter-se à análise psicanalítica para compreender as razões por trás de suas decisões “incompreensíveis” em um Estado Democrático de Direito. Segundo o experiente jurista, a história irá cobrar essas determinações que têm causado significativo “desgaste” à Suprema Corte e “maltratado” os preceitos constitucionais.
As declarações contundentes foram proferidas durante entrevista concedida à colunista Roseann Kennedy, do jornal O Estado de S. Paulo. Quando questionado sobre os fatores que motivam as ações de Moraes, Marco Aurélio não poupou palavras em sua resposta.
“Eu teria que colocá-lo em um divã e fazer uma análise talvez mediante um ato maior, e uma análise do que ele pensa, o que está por trás de tudo isso. O que eu digo é que essa atuação alargada do Supremo, e uma atuação tão incisiva, implica desgaste para a instituição… A história cobrará esses atos praticados. Ele [Moraes] proibiu, por exemplo, diálogos. Mordaça, censura prévia, em pleno século que estamos vivendo. É incompreensível”, ponderou o ex-ministro.
Críticas ao comportamento corporativo da Primeira Turma
O jurista demonstrou preocupação com o fato de a Primeira Turma do STF validar sistematicamente as determinações controvertidas de Moraes. Marco Aurélio identificou um “espírito de corpo que não deveria haver” entre os magistrados e defendeu maior independência nas análises individuais de cada processo.
“Quando formei no colegiado, me manifestava espontaneamente, segundo meu convencimento, não me importando em somar voto. Não há campo para solidariedade no órgão julgador. Cada integrante deve atuar com absoluta independência. Evidentemente acompanhando o colega no que se convencer do acerto da proposição desse colega”, adicionou o experiente magistrado.
A observação revela preocupação com a dinâmica decisória atual da Corte, onde parece prevalecer uma tendência de alinhamento automático às posições de Moraes, comprometendo o debate jurídico necessário em casos complexos.
Medidas contra Bolsonaro caracterizadas como humilhação
Marco Aurélio direcionou críticas específicas às medidas cautelares impostas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), classificando o tratamento dispensado ao ex-chefe do Executivo como “humilhação” desnecessária. O jurista considera desproporcional obrigar Bolsonaro a utilizar tornozeleira eletrônica, equiparando-o a um “bandido de periculosidade maior”.
“A proibição de sair de casa, que é praticamente uma prisão domiciliar. Vamos observar a ordem natural, que é apurar para, selada a culpa no processo crime, exercido o direito de defesa, chegar-se à execução do pronunciamento judicial definitivo. E não há esse pronunciamento, por enquanto. O ministro Luiz Fux divergiu e, se lá eu estivesse, eu o acompanharia. Divergiu quanto à utilização [de tornozeleira eletrônica], por um ex-presidente da República. Vamos respeitar a instituição que é a Presidência da República. Utilizar como se fosse um bandido de periculosidade maior. A tornozeleira é uma apenação humilhante, porque alcança a dignidade da pessoa”, pontuou o ex-ministro.
O posicionamento de Marco Aurélio alinha-se ao voto divergente do ministro Luiz Fux, único integrante da Primeira Turma a questionar a adequação legal das restrições impostas ao ex-presidente. O apoio explícito demonstra preocupação institucional com o precedente estabelecido.
Questionamentos sobre competência e devido processo legal
O jurista levantou questões fundamentais sobre a competência do STF para julgar o ex-presidente e os riscos ao devido processo legal. Marco Aurélio recordou que o julgamento em turma, ao invés do plenário, representa mudança significativa na tradição da Corte.
“Basta considerar que houve uma emenda regimental deslocando a competência do plenário para as turmas, em processo crime. Estive 31 anos na bancada do Supremo e nunca julgamos em turma processo crime. Alguma coisa está errada. Eu espero que não se chegue a julgar processo crime individualmente, monocraticamente”, alertou o ex-ministro.
O argumento ganha força quando Marco Aurélio compara o tratamento dispensado a diferentes ex-presidentes, evidenciando possível inconsistência jurídica.
“Supremo não é competente para julgar cidadão comum, para julgar originariamente ex-presidente da República, ex-deputado federal ou ex-senador. Basta que indaguemos: o atual presidente [Luiz Inácio Lula da Silva], quando respondeu criminalmente, ele o fez onde? Na 13ª Vara Criminal de Curitiba. A legislação não mudou. Por que o ex-presidente Bolsonaro está a responder no Supremo? Isso é inexplicável, e a história em si é impiedosa, vai cobrar essa postura do Supremo. Quando o Supremo decide, não cabe recurso a um órgão revisor. Então, o devido processo legal fica prejudicado.”
Apelo por temperança e correção de rumos
Concluindo suas considerações, Marco Aurélio direcionou apelo direto à Suprema Corte para buscar “temperança” e “correção de rumos sem atropelos”, evitando práticas de “censura prévia” que comprometem os fundamentos democráticos.
“Que haja uma evolução, e que o Supremo atue, não como órgão individual como vem atuando na voz do ministro Alexandre de Moraes, mas como órgão coletivo, e percebendo a repercussão dos atos que pratica. Aí, nós avançaremos culturalmente”, concluiu o experiente jurista.
As declarações de Marco Aurélio Mello representam uma das críticas mais contundentes já proferidas por um ex-ministro do STF contra as práticas atuais da Corte. Seus 31 anos de experiência na instituição conferem peso institucional às observações, sinalizando preocupações profundas sobre os rumos da Suprema Corte brasileira.
O posicionamento do ex-ministro ecoa crescentes questionamentos da sociedade sobre a atuação de Alexandre de Moraes e reforça a necessidade de debate sobre os limites constitucionais do Poder Judiciário em uma democracia.