TJDFT reforma sentença de primeira instância e determina pagamento de R$ 150 mil por danos morais coletivos

A Quinta Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao pagamento de R$ 150 mil em danos morais coletivos por declarações consideradas ofensivas sobre adolescentes venezuelanas. A decisão, proferida na quinta-feira (24), reformou sentença de primeira instância que havia absolvido o líder político conservador.
A condenação resulta de recurso apresentado pelo Ministério Público contestando a absolvição inicial. Por maioria de votos, os desembargadores entenderam que as falas do ex-presidente causaram “sofrimento e assédio” às jovens e suas famílias, caracterizando conduta passível de reparação civil.
Contexto das declarações controversas
Durante a campanha eleitoral de 2022, Bolsonaro concedeu entrevista a canal de podcast na qual narrou episódio ocorrido em 2021, durante visita à comunidade de São Sebastião, no Distrito Federal. O ex-presidente relatou ter encontrado adolescentes venezuelanas “bem arrumadas” e sugeriu que estariam envolvidas com exploração sexual para “ganhar a vida”.
“Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se eu não me engano, em um sábado, de moto. Parei a moto em uma esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. Posso entrar na sua casa? Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”, declarou o ex-presidente na ocasião.
Fundamentação da decisão judicial
O acórdão destacou que as declarações continham elementos misóginos e aporofóbicos, objetificando as adolescentes e insinuando situação de vulnerabilidade sexual de forma inaceitável. Os magistrados consideraram que a expressão “pintou um clima” em referência às menores de idade, combinada com inferências sobre exploração sexual, ultrapassou os limites da liberdade de expressão.
“A frase pintou um clima em referência a adolescentes, somada à inferência direta e maliciosa de que ganhar a vida se refere à exploração sexual ou à prostituição, objetifica as jovens, as sexualiza e insinua, de maneira inaceitável, uma situação de vulnerabilidade e disponibilidade sexual”, registrou trecho da decisão.
O tribunal identificou dupla discriminação nas falas: misoginia, por vincular aparência física feminina a conotação sexual pejorativa, e aporofobia, ao associar condição social de migrantes e penúria econômica à suposta necessidade de prostituição.
Medidas adicionais impostas pela condenação
Além do pagamento da indenização de R$ 150 mil, o ex-presidente está sujeito a restrições específicas envolvendo interações com menores de idade. A decisão proíbe Bolsonaro de constranger crianças e adolescentes a reproduzirem gestos violentos, divulgar imagens infantis na internet e utilizar palavras com conotação sexual em situações envolvendo crianças.
Essas medidas complementares visam prevenir repetição de condutas similares e proteger direitos fundamentais de crianças e adolescentes, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social como imigrantes venezuelanos.
Possibilidade de recurso mantém processo em aberto
A defesa do ex-presidente pode apresentar recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mantendo o processo judicial em tramitação. O advogado Marcelo Bessa, representante de Bolsonaro, manifestou surpresa com a decisão e anunciou intenção de contestá-la em instância superior.
“Os fundamentos adotados pela Corte desconsideram integralmente decisões definitivas proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, citam provas inexistentes nos autos e, por tais razões, a referida decisão certamente não irá prevalecer no Superior Tribunal de Justiça”, declarou o advogado em nota oficial.
Precedente para proteção de grupos vulneráveis
A condenação estabelece precedente jurídico relevante para proteção de direitos de grupos vulneráveis, especialmente crianças e adolescentes imigrantes. A decisão reconhece que declarações públicas de autoridades políticas podem causar danos coletivos significativos, mesmo quando direcionadas a grupos específicos.
O caso evidencia tensão crescente entre liberdade de expressão e proteção de direitos fundamentais no contexto político brasileiro. Tribunais têm sido chamados a definir limites para manifestações públicas que possam caracterizar discriminação ou objetificação de grupos vulneráveis.
Impacto no cenário político nacional
A condenação ocorre em momento de intensa atividade judicial envolvendo o ex-presidente, que enfrenta múltiplas investigações e processos em diferentes instâncias. O caso específico das declarações sobre venezuelanas adiciona elemento relacionado a direitos humanos e proteção de minorias ao conjunto de questões jurídicas que cercam Bolsonaro.
Para o cenário político mais amplo, a decisão pode influenciar comportamento de lideranças públicas em relação a declarações sobre grupos vulneráveis, especialmente durante períodos eleitorais quando tensões xenofóbicas tendem a se intensificar.
A condenação também ressalta importância crescente da proteção judicial de direitos de imigrantes no Brasil, particularmente venezuelanos que enfrentam múltiplas formas de vulnerabilidade social e econômica. O reconhecimento de danos morais coletivos representa avanço na responsabilização por discursos discriminatórios contra essa população.
O desfecho final do processo dependerá da análise do recurso pelo STJ, instância que terá oportunidade de consolidar entendimento sobre limites da liberdade de expressão em casos envolvendo grupos vulneráveis e declarações de autoridades públicas.