Ministros da Primeira Turma seguem voto de Moraes e defendem cassação do mandato da deputada federal em caso que levanta questionamentos sobre proporcionalidade das penas

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta sexta-feira (9) o julgamento que pode resultar na condenação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) a 10 anos de prisão em regime fechado, além da perda de seu mandato parlamentar. O mesmo processo julga o hacker Walter Delgatti Neto, conhecido como “Vermelho”, acusado de invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ambos respondem por invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso e também alvo direto do ataque cibernético investigado, foi o primeiro a votar. Em seu posicionamento, defendeu a condenação de Zambelli a 10 anos de reclusão e de Delgatti a 8 anos e 3 meses. A parlamentar, que conquistou expressiva votação nas últimas eleições, nega veementemente qualquer envolvimento nos crimes.
Os ministros Flávio Dino, recém-indicado pelo governo Lula, e Cristiano Zanin, também nomeado pelo atual presidente, acompanharam integralmente o voto do relator, formando maioria para a condenação. A votação permanecerá aberta até a próxima sexta-feira (16) na plataforma virtual de julgamentos do STF, modalidade que não permite debate entre os ministros, que apenas registram seus votos no sistema online. Ainda faltam os posicionamentos dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O caso que abalou o Judiciário
O episódio que fundamenta a acusação ocorreu em janeiro de 2023, quando documentos falsos foram inseridos no sistema do CNJ, incluindo um mandado de prisão fictício contra o próprio ministro Alexandre de Moraes. O documento falsificado continha a provocativa frase: “Expeça-se o mandado de prisão em desfavor de mim mesmo, Alexandre de Moraes. Publique-se, intime-se e faz o L”.
Além deste documento, foi produzido um recibo fraudulento de bloqueio de R$ 22,9 milhões em bens do ministro – valor correspondente à multa imposta por Moraes ao Partido Liberal por questionar as urnas eletrônicas nas eleições de 2022. Os invasores também incluíram uma ordem falsa para quebra do sigilo bancário do magistrado.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que Carla Zambelli “comandou” e participou do “planejamento” do ataque cibernético, enquanto Walter Delgatti admitiu a execução dos crimes. O relatório final da Polícia Federal aponta que documentos apreendidos com a deputada correspondem, integral ou parcialmente, aos arquivos inseridos pelo hacker no sistema do CNJ, o que para os investigadores seria prova de sua participação.
Em seu extenso voto de 120 páginas, Alexandre de Moraes classificou essa evidência como “prova técnica irrefutável” que demonstraria “além de qualquer dúvida razoável, o envolvimento direto” da parlamentar nos crimes. A PF concluiu que o ataque teria sido planejado para colocar em xeque a credibilidade do Poder Judiciário.
Versões contraditórias e investigação controversa
Durante a investigação, Walter Delgatti declarou à Polícia Federal que recebeu aproximadamente R$ 40 mil para tentar invadir os sistemas do Judiciário. Como prova, apresentou comprovantes de transferências que somaram R$ 10,5 mil realizadas por um ex-assessor da deputada. Segundo seu relato, o restante teria sido entregue em espécie, em São Paulo.
Entretanto, parte significativa do depoimento do hacker foi desconstruída pelos próprios investigadores. A PF concluiu que os pagamentos feitos pelo ex-assessor foram destinados à compra de garrafas de uísque, e não para financiar atividades ilícitas.
As únicas mensagens recuperadas entre Carla Zambelli e Walter Delgatti referem-se a Moraes. Nestas, a deputada enviou dois áudios solicitando o endereço do ministro, justificando que sua mãe desejava enviar uma carta ao magistrado. Em sua defesa, Zambelli afirmou que contratou o hacker apenas para administrar seu site e redes sociais, versão contestada por assessores ouvidos na investigação, que negaram a efetiva prestação desses serviços.
Vale ressaltar que a parlamentar responde a outro processo no STF, relativo a um incidente ocorrido na véspera do segundo turno das eleições de 2022, quando teria perseguido um homem com uma pistola. Neste caso, também há maioria formada para condenar a deputada por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo, além de cassar seu mandato. O julgamento, contudo, encontra-se suspenso por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques.
O voto de Moraes: além da questão jurídica
Em seu voto, Alexandre de Moraes não se limitou à análise técnica do caso. O ministro afirmou que Carla Zambelli e Walter Delgatti mantiveram uma “ligação umbilical” com “objetivos antirrepublicanos” e associou o ataque hacker ao contexto que culminou nos protestos de 8 de janeiro em Brasília.
“A correlação temporal entre esses eventos não é meramente coincidencial”, defendeu o magistrado, que também destacou que “a gravidade dos fatos que ora se submetem ao julgamento desta Corte transcende a mera tipificação penal, inserindo-se em um contexto de ameaças concretas às instituições democráticas e ao Estado de Direito”.
Moraes argumentou ainda que atacar a credibilidade do Poder Judiciário, “expondo falsamente suas fragilidades e simulando atos judiciais inexistentes”, constitui uma “estratégia recorrente em processos de erosão democrática”. O ministro sustentou que a versão apresentada pelo hacker foi corroborada por documentos e relatórios policiais, assim como pelos depoimentos das testemunhas ouvidas no processo.
“O elemento probatório mais significativo a corroborar a versão do acusado Walter Delgatti Neto consiste na localização de arquivos idênticos nos dispositivos eletrônicos de ambos os acusados”, apontou Moraes em seu voto.
O caso levanta importantes questões sobre os limites da atuação do Judiciário, o equilíbrio entre os poderes da República e o tratamento dispensado a parlamentares eleitos democraticamente, especialmente quando se compara a severidade da pena proposta com casos semelhantes julgados anteriormente no país.