Reforma do antiquado sistema penal ganha força após caso chocante de assassinato de criança por adolescentes

O governo do presidente libertário Javier Milei intensifica esforços para modernizar o ultrapassado Regime Penal Juvenil argentino, buscando nesta terça-feira (6) o consenso parlamentar necessário para aprovar uma reforma que reduza a maioridade penal de 16 para 14 anos. A proposta, que tramita nas comissões de Legislação Penal, Família e Juventude, Orçamento e Justiça da Câmara dos Deputados, representa um avanço significativo no combate à impunidade de crimes graves cometidos por adolescentes.
A iniciativa surge como resposta à crescente participação de menores em delitos violentos e visa substituir uma legislação obsoleta que vigora desde 1980, período em que a sociedade argentina e seus desafios de segurança eram drasticamente diferentes. Apesar da resistência previsível de setores da esquerda, o projeto conquistou apoio expressivo após mais de oito sessões informativas que expuseram a realidade brutal da criminalidade juvenil no país.
O presidente Milei, conhecido por defender medidas firmes contra a criminalidade, inicialmente propunha estabelecer a responsabilização penal a partir dos 13 anos, sustentando que “crimes de adultos mereciam penalidades de adultos”. A versão consensual em discussão fixou a idade mínima em 14 anos, mantendo o espírito da reforma enquanto busca viabilidade política para sua aprovação.
Uma reforma abrangente, não apenas punitiva
O pacote legislativo vai além da simples redução da idade penal. Os 14 projetos de lei em análise estabelecem um sistema integral para lidar com delitos cometidos por adolescentes, incluindo penas máximas que variam de 10 a 20 anos para crimes graves, além de sanções alternativas e abordagens socioeducativas específicas para jovens infratores.
A proposta contempla salvaguardas importantes, como critérios claros para evitar que adolescentes cumpram penas em prisões comuns ou junto a criminosos adultos. Também prevê modalidades atenuadas de punição, como prisão domiciliar ou institutos fechados especializados, reconhecendo as particularidades da condição juvenil sem abrir mão da responsabilização por atos criminosos.
Caso as comissões parlamentares cheguem a um consenso nesta terça-feira, será emitido um parecer que permitirá levar o tema ao plenário da Câmara, avançando significativamente na tramitação da reforma.
O caso Kim: a tragédia que mobilizou a opinião pública
Um dos catalisadores para o avanço da reforma foi o brutal assassinato de Kim Gómez, uma menina de apenas sete anos que foi arrastada por um veículo roubado por dois adolescentes, de 14 e 17 anos. O crime gerou profunda comoção na sociedade argentina e expôs as limitações do sistema atual para responsabilizar adolescentes envolvidos em delitos graves.
A tragédia de Kim ilustra o que especialistas em segurança pública vêm alertando há anos: a utilização crescente de menores por organizações criminosas justamente pela proteção legal que recebem sob o regime penal vigente. A atual legislação, elaborada no início dos anos 1980, não contemplava a sofisticação do crime organizado moderno nem o papel que adolescentes desempenham hoje em delitos violentos.
Alinhamento com padrões internacionais
A reforma proposta por Milei alinha a Argentina a diversos países desenvolvidos onde a responsabilização penal começa entre 12 e 14 anos. Na Alemanha, por exemplo, a maioridade penal inicia aos 14 anos, mesma idade adotada em nações como Japão e Itália. A Espanha estabelece responsabilidade criminal a partir dos 14 anos, enquanto no Reino Unido a idade é ainda menor: 10 anos.
A tendência mundial aponta para sistemas que equilibram a responsabilização crescente conforme a idade com medidas socioeducativas adequadas ao desenvolvimento dos adolescentes. O modelo argentino proposto segue essa linha, criando um regime especial para a faixa etária de 14 a 18 anos, com garantias processuais e foco na reabilitação, sem abrir mão da punição proporcional à gravidade dos delitos.
Para os defensores da reforma, a mudança não significa apenas endurecimento penal, mas o reconhecimento de uma realidade social transformada, onde adolescentes cada vez mais jovens têm capacidade de discernimento sobre a ilicitude de seus atos, especialmente em crimes graves como homicídio, sequestro e tráfico de drogas.
Se aprovada, a reforma representará um marco importante na modernização do sistema penal argentino e poderá servir de referência para outros países da América Latina que enfrentam desafios semelhantes com a criminalidade juvenil.