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Alerta para pais: Pesquisa revela contaminantes perigosos em fórmulas infantis brasileiras

Estudo da Unicamp identifica agrotóxicos proibidos e outras substâncias tóxicas em produtos essenciais para bebês, expondo falhas no sistema de fiscalização brasileiro

Foto: Pexels
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Uma descoberta preocupante acaba de abalar a confiança de pais e responsáveis em produtos alimentícios fundamentais para bebês. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificaram resíduos de agrotóxicos — incluindo alguns já proibidos no Brasil — e micotoxinas em fórmulas infantis comercializadas no país. As substâncias encontradas, como o carbofurano e o metamidofós, ambas banidas do território nacional há anos, revelam falhas graves no sistema de controle de qualidade dos alimentos.

Os resultados das análises foram publicados no Journal of Chromatography A e no Journal of Food Composition and Analysis em maio de 2024 e março de 2025, respectivamente, e levantam sérias questões sobre a segurança alimentar dos produtos destinados às crianças de 0 a 36 meses.

O que são fórmulas infantis e sua importância

As fórmulas infantis funcionam como substitutos parciais ou totais do leite materno, sendo essenciais em determinadas circunstâncias.

– Os produtos são feitos [para atender] todas as necessidades de um recém-nascido que não pode se alimentar do leite materno – seja porque a mãe enfrenta dificuldades para amamentar, seja por alguma alergia da criança – explica Teresa Sena, nutricionista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGN/UFSC).

O mercado desses produtos cresce exponencialmente no Brasil. Segundo estudo publicado na revista Globalization and Health, entre 2006 e 2020, as vendas de fórmulas infantis dispararam quase 750%, saltando de R$ 278 milhões para impressionantes R$ 2,3 bilhões.

Mesmo com este crescimento vertiginoso, o Brasil não possui legislação específica sobre limites de resíduos de pesticidas em fórmulas infantis, o que evidencia uma lacuna regulatória preocupante.

Contaminantes encontrados e seus riscos

Os pesquisadores analisaram 30 amostras de produtos vendidos no mercado brasileiro. Na ausência de parâmetros nacionais, utilizaram como referência os limites estabelecidos pela União Europeia (UE), conhecida por seu rigor regulatório.

Na primeira análise, baseada em 23 contaminantes pré-selecionados, foram detectados fenitrotiona, clorpirifós e bifentrina, embora em níveis abaixo dos limites europeus. O dado mais alarmante, contudo, foi a presença do carbofurano em 10% das amostras — agrotóxico banido no Brasil desde 2017.

A segunda fase do estudo, mais abrangente, revelou resultados ainda mais preocupantes. Seis compostos apareceram em 86,6% das amostras: ftalimida, cis-1,2,3,6-tetra-hidroftalimida, pyridaben, bupirimate, piperonil butóxido e metamidofós (este último proibido no país desde 2012). Destes, o pyridaben, a ftalimida e a cis-1,2,3,6-tetra-hidroftalimida estavam em concentrações acima dos limites europeus.

Os pesquisadores ressaltam que o objetivo não é desencorajar o consumo desses produtos, mas garantir que atendam aos padrões de segurança necessários para a nutrição infantil. As amostras foram analisadas em 2023 e, por questões éticas, as marcas não foram divulgadas.

Impactos dos agrotóxicos na saúde infantil

Os agrotóxicos, embora fundamentais para a produtividade agrícola, apresentam riscos inerentes à saúde humana.

– Embora existam diversas fórmulas, eles naturalmente têm alguma toxicidade. O propósito deles é justamente eliminar os invasores – explica Tamara Andrade, especialista do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).

A especialista destaca que cada alimento possui um limite máximo de resíduos estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base em estudos sobre cada substância e seus potenciais impactos.

– Embora dependa de cada tipo de substância e concentração, no geral, os agrotóxicos têm potencial de prejuízo metabólico, hormonal e cancerígeno – informa Tamara.

As crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos dessas substâncias. Segundo Larissa Bombardi, professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro “Agrotóxicos e Colonialismo Químico”, os pequenos ingerem, respiram e absorvem proporcionalmente mais substâncias químicas que os adultos, acumulando maiores quantidades de toxinas. Além disso, seus sistemas nervoso e imunológico ainda em formação os tornam mais sensíveis a compostos neurotóxicos.

Fiscalização deficiente compromete segurança alimentar

Um aspecto crítico evidenciado pelo estudo é a fragilidade do sistema de controle e fiscalização brasileiro, especialmente quando comparado aos padrões internacionais.

– O controle dos resíduos de agrotóxicos é feito apenas em alimentos in natura (como frutas, verduras e legumes). A Anvisa fiscaliza se eles têm percentuais acima do permitido ou não. Mas os alimentos ultraprocessados não são controlados. Então, na prática, a gente não tem como saber se um produto tem resíduos ou não – explicou Tamara.

Larissa Bombardi defende um sistema mais rigoroso que vá além do simples monitoramento.

– Monitoramento é apenas uma constatação. Já fiscalização significa que você constata e pune os responsáveis pela não conformidade – diferenciou.

A professora cita o exemplo europeu, onde infrações podem resultar em severas penalidades.

– A UE, por exemplo, tem um sistema de monitoramento que avalia as amostras e vê se estão em conformidade ou não. Dependendo do caso, as penalidades podem ser desde impedir a comercialização dos produtos até a aplicação de multas e, em casos mais extremos, prisões – disse.

O estudo também aponta para a necessidade urgente de revisão dos parâmetros regulatórios brasileiros. Teresa Sena menciona que cerca de 80% dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos em pelo menos três países da Organização de Comércio e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

– O limite máximo de resíduos também é diferente de outros países. Pegando a UE como exemplo, lá existem limites estabelecidos para uma variedade muito maior de alimentos. No Brasil, além de termos menos categorias reguladas, os valores permitidos podem ser até 200 vezes mais altos – afirmou.

A descoberta de agrotóxicos e micotoxinas em fórmulas infantis expõe um sistema regulatório que precisa evoluir para garantir a segurança alimentar, especialmente quando se trata de produtos consumidos pelos mais vulneráveis.