Ministério Público denuncia Juliano Ferro por usar casa e caminhonetes registradas em nome de acusado de narcotráfico

O prefeito de Ivinhema, Juliano Ferro Barros Donato, de 42 anos, autoproclamado o “mais louco do Brasil” nas redes sociais, terá que explicar à Justiça por que, segundo denúncia do Ministério Público, utiliza uma casa e veículos de luxo registrados em nome de Luiz Carlos Honório, de 66 anos, acusado de envolvimento com narcotráfico e preso em operação da Polícia Federal.
A Justiça agendou audiência para 9 de outubro na ação penal eleitoral número 0600530-89.2024.6.12.0027, que investiga supostos crimes de falsidade ideológica eleitoral e ocultação de bens. Se condenado, Juliano Ferro pode pegar até cinco anos de prisão.
Tentativa de intimidar federais disfarçados
O prefeito influencer, com cerca de 1 milhão de seguidores, acabou na mira das investigações após, conforme relatório da Polícia Federal, tentar “assustar” agentes federais que atuavam disfarçados em Ivinhema durante operações de inteligência. Segundo o documento policial, pagando de “xerife” da cidade, papel que adora ostentar nas redes sociais para intimidar adversários, Juliano se deu mal após a bravata contra os federais.
De acordo com o relatório policial ao qual o MidiaMax teve acesso, o prefeito mantém uma suposta rede de espionagem na cidade que contaria com servidores públicos, incluindo policiais. Os indícios apontados vão desde abordagens e perseguições a pessoas “estranhas” até consultas a cadastros da Sejusp e Detran-MS para levantar dados sobre placas e pessoas supostamente por ordem do prefeito.
Casa de R$ 750 mil e caminhonetes importadas
Em depoimento à PF, Juliano sustentou ter declarado a casa em questão, que ele próprio avaliou em R$ 750 mil. No entanto, segundo a denúncia, deixou de revelar à Justiça Eleitoral que possuía duas caminhonetes (Silverado e Dodge Ram), tendo negociado uma delas. Conforme investigações, somente a Silverado importada custaria mais de meio milhão.
O prefeito alega ter comprado o veículo de luxo “no fiado” e que ainda deve cerca de R$ 400 mil. No relatório policial, esta explicação é vista como indício de ocultação de bens ou lavagem de dinheiro. A casa e a Silverado foram bloqueadas judicialmente por, segundo a Justiça, pertencerem ao suposto integrante de grupo ligado ao narcotráfico.
Operação Lepidosiren e os bens bloqueados
Durante a operação Lepidosiren, em agosto de 2024, a Polícia Federal informou ter identificado e apreendido “um imóvel no valor de R$ 458 mil e uma caminhonete avaliada em R$ 519 mil, além do bloqueio de bens totalizando R$ 100 milhões”. Segundo a PF, a casa onde o prefeito reside e a caminhonete que ele utilizava estavam entre os bens bloqueados.
Luiz Carlos Honório, que se apresenta como comerciante do ramo de móveis, foi preso na operação e hoje vive monitorado por tornozeleira eletrônica. Em depoimento à PF, ele confirmou que Juliano reside na casa que vendeu para ele e que a Silverado foi negociada por um lote em Ipezal, distrito de Ivinhema.
Depoimento revelador do acusado
Segundo depoimento de Honório à Polícia Federal, ele nem sequer chegou a andar na caminhonete importada: “diz que sequer chegou a andar na caminhonete; QUE já negociou direto com JULIANO FERRO que viu e ficou empolgado; QUE JULIANO deu um cheque de 380 mil; QUE JULIANO não pagou nada ainda; QUE ele disse que tinha um negócio de rifa e se entrar um dinheiro já vai pagando”.
Conforme o depoimento, o cheque de R$ 380 mil venceu em janeiro de 2025, mas Juliano ainda não teria quitado o débito. O prefeito também teria entregue um veículo Troller avaliado em R$ 100 mil como parte do pagamento.
Rede de vigilância na cidade
O relatório da PF aponta que Juliano mantém um clima de “cidade vigiada” que atraiu atenção dos investigadores. “Pessoas vinculadas a esquemas criminosos se preocupam o tempo todo com sua segurança”, diz trecho do documento federal.
Segundo a investigação, uma semana antes da operação federal, o prefeito abordou agentes disfarçados que fotografavam a prefeitura, chegando a fazer consultas sobre as placas dos veículos utilizados pelos policiais. O episódio foi posteriormente comentado pelo próprio Juliano em suas redes sociais.
Juiz rejeita absolvição sumária
O prefeito tentou escapar do processo recorrendo ao artigo 397 do Código Penal, que trata da absolvição sumária. Porém, o juiz Rodrigo Barbosa Sanches rejeitou o pedido, afirmando que “a demanda exige dilação probatória e não se enquadra nas hipóteses autorizadoras da absolvição sumária”.
O magistrado destacou que “o argumento da defesa sobre a ausência de propriedade dos dois veículos faltantes na declaração de bens em questão é matéria que exige um lastro probatório amplo” e que “o acusado não apresentou elementos probatórios capazes de reverter o recebimento de denúncia”.
Influencer em apuros
Juliano Ferro se tornou conhecido nas redes sociais por postar vídeos onde se apresenta como “sincerão”, “destemido” e “sensível”, sempre usando calça justa e chapéu. Nas postagens, relata a rotina de prefeito, comemora obras, ameaça adversários e manda recados, quase sempre sem citar nomes.
Conforme reportado pelo MidiaMax, o prefeito já ganhou dinheiro com “rifas” vendidas entre os seguidores e mantém cerca de 1 milhão de pessoas acompanhando suas redes sociais, número impressionante para uma cidade de menos de 30 mil habitantes como Ivinhema.
Filiação ao PL de Bolsonaro
Juliano Ferro se filiou recentemente ao Partido Liberal (PL), acompanhando o ex-governador Reinaldo Azambuja, que assumiu a presidência estadual do partido de Jair Bolsonaro e Valdemar Costa Neto. A mudança partidária ocorreu em meio às investigações sobre seus supostos vínculos com o acusado de narcotráfico.
Próximos passos
A audiência marcada para 9 de outubro no fórum de Ivinhema deve contar com a participação de Juliano Ferro e testemunhas que residem no município ou fora dele. Se condenado, o caso pode resultar em pena de até cinco anos de prisão para o prefeito influencer, além de possível inelegibilidade.
Enquanto isso, o processo sobre a apreensão de drogas corre em segredo judicial, e Luiz Carlos Honório segue monitorado por tornozeleira eletrônica após ter sido solto por meio de liminar.
Defesa do prefeito
O advogado João Vitor Comiran, que representa Juliano, enviou nota oficial afirmando que o prefeito “sempre pautou sua vida pública e privada pela máxima transparência, declarando anualmente todos os seus bens à Justiça Eleitoral. Todo o seu patrimônio é, portanto, de pleno conhecimento dos órgãos de fiscalização e da Justiça, não havendo qualquer omissão ou tentativa de ocultação”.
A defesa sustenta que “os veículos mencionados na denúncia eleitoral, à época do registro de sua candidatura, não integravam o patrimônio do Sr. Juliano” e que “existem fartos elementos de prova, incluindo documentos e negócios jurídicos lícitos, que atestam que à época exigida pela legislação eleitoral, os veículos não eram de propriedade de Juliano”.
O advogado confia em “desfecho absolutório” para o caso, alegando que “a jurisprudência dos Tribunais Eleitorais é pacífica em situações análogas, afastando a configuração de qualquer ilícito eleitoral quando comprovada a inexistência de propriedade do bem na data da declaração”.